domingo, 29 de outubro de 2006

Semeadura

Certa vez plantei um ipê. Minto. Plantei a semente e semente não é árvore, é perspectiva.
Desejei suas flores. Minto novamente. Desejei os sentimentos de Rubem Alves em seu "Os ipês estão floridos". Segundo o Rubem, ipês são 'do contra', fazem as coisas ao contrário, "as outras árvores fazem o que é normal - abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está prá chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio".
A comparação à sarça ardente fez arder minha alma. O fato é que plantei a semente. Após 4 ou 5 anos, o ipê cresceu e floresceu; pássaros se refugiavam e rejubilavam em seus ramos. Outro dia notei algo peculiar: um novo ipê brotava ao lado daquele. Teria alguém se compadecido da solidão florida de minha árvore?...
Eu não havia me dado conta de que os pássaros espalharam as sementes, centenas de pássaros espalhando centenas de sementes; e se apenas uma delas vingasse (como na parábola do semeador), aquela árvore não estaria mais sozinha.
Da mesma forma com os homens. Espalhamos sementes. O tempo inteiro. Resta-nos apenas refletir se são sementes de ipês que florescerão no inverno de algumas almas trazendo-lhes sol da primavera.
(Dáuvanny Costa)

Voto não tem preço

Gostaria de escrever algo sobre as eleições desse domingo, mas estou sem inspiração. Por estar fora de meu domicílio eleitoral - e fico contente por isso - justifiquei meu voto. Justifico: não tinha candidato - e não tenho.
Tenho motivos pessoais para não votar no candidato do PSDB; tenho motivos éticos para não votar no candidato do PT - partido da corrupção e da incompetência. Assistimos atônitos a um mar de lama, mas não obstante estarmos atônitos, nos mantivemos passivos. Espécie de "epoquística". Estamos alheios.
Enfim, voto não tem preço, tem conseqüências. Faço votos de que votem bem. Esquerda ou Direita não tem mais importância, visto que os partidos estão partidos; importante é votar em honestidade. Eu voto. Mas quer me parecer que na atual conjuntura sou voto vencido.
(Dáuvanny Costa)

Rui Barbosa: "E nessa destruição geral das nossas instituições, a maior de todas as ruínas, senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo interesse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolva um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem, mas que ninguém tem coragem de apontá-lo à opinião pública, de modo que a justiça possa exercer a sua ação saneadora e benfazeja."

À minha irmã

Não é uma regra, e não há que se generalizar, mas as pessoas que passam por maiores provações e dores são aquelas que mais se aproximam de Deus. A razão é simples: chegam ao ponto zero, se despojam de conceitos, adquirem maior maturidade e Deus pode agir em suas vidas. Elas se tornam maleáveis, Deus pode usá-las. Elas aprendem - de Deus - como usar a fé que lhes é dada. Tornam-se barro e podem ser trabalhadas entre os dedos do Escultor. A vida não é justa - claro que eu sei - mas o que passa agora, mesmo que sufocante, vai ajudá-la a compreender melhor aos outros e melhor a si mesma. Deixe Deus ser Deus. Ele não desistiu de você.
(Dáuvanny Costa in As muitas águas, 2002 - AbbaPress Editora)


Quero voltar


"Meu Deus! Dá-me cinco anos!
Me cura de ser grande!"
(Adélia Prado in Bagagem)

domingo, 8 de outubro de 2006

O que leio

Freqüentemente me perguntam quais livros leio ou recomendo. Decidi fazer uma lista de AUTORES, certamente não é exaustiva e não se trata de número claustro, somente um referencial - belo referencial eu completaria.

BÍBLIA. Philip Yancey. Sófocles. Shakespeare. Baudelaire. Fernando Pessoa. Florbela Espanca. Vinícius de Moraes. Dostoiévski. C.S.Lewis. Victor Hugo. Saint-Exupèry. George Orwell. Ernest Hemingway. Cícero. E.M. Cioran. Mark Twain. John Stott. Caio Fábio. Agostinho. Gogol. Paulo (o apóstolo). Tolstói. Jorge Luís Borges. Rubem Alves. Tournier. Milton. Larry Crabb. George MacDonald. Ayn Rand. Richard Bach. La Boètie. Morris West. Rudolf Von Ihering. Maria Garcia. Pontes de Miranda. Gabriel Garcia Marquez. Arthur Schopenhauer. Cesare Beccaria. Dietrich Bonhoeffer. Friedrich Nietzsche. Miguel de Cervantes. Sören Kierkegaard. Maquiavel. Honoré de Balzac. Gaston Bachelard. Brooke Newman. Aldous Huxley. Jack Miles. Orígenes Lessa. John Pollock. Homero. Gibran. Eça de Queirós. Goffredo Telles Jr. Machado de Assis. Érico Veríssimo. Antônio Vieira. Henry Nouwen. Tozer. Érico Veríssimo. Guimarães Rosa. Isak Dinesen (Karen Blixen). Orlando Boyer. John Donne. Carnelutti. Chesterton. Brennan Manning.

Como disse, não se trata de lista exaustiva e há muitos de que gosto e sequer foram incluídos aqui; mas 'espremerei' um pouco mais para os neófitos:
Sugiro a BÍBLIA, sempre; penso que nenhum autor compete com Deus; depois dEle, o mundo nada pode nos oferecer, conquanto nos brinde com bons escritores. Os estrangeiros devem ser lidos: Recomendo Victor Hugo (francês), Dostoiévsky (russo) e Shakespeare (inglês); vastos como é vasta a vida. Indicaria, dentre os escritores cristãos, o sempre brilhante Philip Yancey, o indescritível Brennan Manning, Henry Nouwen, Eugene Peterson, Stott e, certamente, C. S. Lewis. Bem, se nessa inefável lista de bons escritores ainda quiserem acrescentar poesia, sugiro John Donne e Fernando Pessoa (devem ser lidos com moderação). Brasileiros indico Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Ricardo Barbosa e 'Clarice Lispector'. Se couber mais alguma coisa, sugiro Jack Miles, mas advirto: Leitura perigosa, quase imoral, no entanto, é fascinante flertar com esses pensamentos. Ayn Rand - indubitavelmente. É isso. Certamente deixei, imperdoavelmente, grandes escritores de fora, mas para começar, a lista é suficiente. Em outro momento farei menção a títulos. Paz-ciência.
(Dáuvanny Costa)

Um lapso

Os dias alongam-se...
Por vezes acho que já vivi demais; trago os olhos fatigados de tanto procurar e sou uma das jovens mais velhas de minha época.
Nada há mais sobre a Terra que me deixe empolgada. Não uso, todavia, nesse instante, a palavra 'empolgada' como sinônimo de 'entusiasmada', pois ainda trago Deus dentro de mim. E 'entusiasmo', em grego, significa exatamente isso.
Há horas em que o sofrimento é quase um amigo, porque é o único que não me deixa, me perseguindo intimamente, como pessoa ou sombra alguma jamais atreveu-se.
Abandono-me.
Em certas ocasiões faço referência ao livro de Jó, me identificando com ele. Declaro, cabisbaixa: "sou Jó"... sempre arranco sorrisos, às vezes risadas, e, como boa observadora que sou, teço considerações: De fato as pessoas são cruéis e se divertem com o sofrimento alheio. Em que canto de suas almas elas escondem a compaixão? Em que momento de suas existências inventaram que sorrir é mais proveitoso que chorar? Falo (escrevo) da igreja, mas não falo só dela. Insisto em falar da igreja porque todo homem deve amar, mas aquele que professa uma fé tem obrigação de amar. O que há de engraçado na vida de Jó?!
Não transbordo religião, por vezes sou cética - mas os desavisados jamais compreenderão isso. Creio com toda a minha incapacidade de crer. Alguns jamais compreenderão isso. Para entender os sentimentos de outrem é necessário mais que ver, é necessário sentir; por vezes é necessário andar um bom tempo sobre suas sandálias, como diz um provérbio antigo.
Vivo uma vida que não é minha. Finjo demais. Sorrio demais. Aconselho demais. E ainda espero a primavera. Viver não é isso, minha gente. Viver é outra coisa.
Já escrevi alhures que esse blog não é autobiográfico (basta passear pelos textos), sentimentos aqui são meus, outros eu empresto, mas isso os desavisados também não compreenderão. Não faz mal algum, empresto de Fernando Pessoa: Ser compreendido é prostituir-se.
(Dáuvanny Costa)

Meu Deus, me dê a coragem

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar."

(Clarice Lispector)

CARTA ABERTA AOS PEQUENOS

Meus pequenos,

Essa pode ser a última carta que escrevo-lhes.
Não é nenhuma data especial. Não é seu aniversário, dia das Crianças ou Natal. Tampouco, meu aniversário. Não é um dia de grandes notícias. A vida ainda se arrasta, sorrateira; a dor ainda fere meu coração; ainda não ganhei os milhões de dólares esperados, e as lágrimas (que comovem vocês desde que eram bebês) permanecem teimosas. O amor que nos une, no entanto, sempre é fato comemorativo. É sempre novo.
Hoje, nessa mesa abarrotada de papéis, fixei o olhar nos rostinhos lindos que a enfeitam e não pude deixar de sentir saudades. Saudades dos momentos juntos - e saudades, principalmente, do que eu não vivenciei.
É importante que vocês entendam o que significa saudade: Há alguns anos, o tio Eduardo trabalhava longe de casa, e havia dias em que a saudade que sentia dele, quando o sol se punha, era tão intensa que não podia esperar sua chegada. Meu coração ficava como que suspenso no ar, ansioso. Havia dias em que ia ao seu encontro no trabalho e enfrentava horas de viagem - apenas para vê-lo mais cedo.
Hoje, como cotidianamente, essa saudade foi sentida - por ele - e por vocês. Ante a impossibilidade de vê-los nesse momento e apertá-los de encontro ao meu coração, eu queria que soubessem do amor que sinto; soubessem que desejaria gastar todos os meus sábados com vocês; sem TV, sem trabalho, sem telefone, sem livros e sem sombras.
Um dia, quando forem grandes, meus pequenos, capazes de tomar suas próprias decisões e escolher os seus caminhos, espero que em seus corações conservem as crianças lindas que são agora. Que sejam homens e mulheres íntegros e éticos, que lutem por seus ideais, mas que permaneçam puros. Vivam ilimitadamente a liberdade de serem vocês mesmos. E amem ilimitadamente; até a última gota.
Nesse momento, bebo o costumeiro chá, e então me lembro de uma bebê (dois anos), que mal conseguia segurar sua caneca, sentadinha em um colchão enquanto me fazia companhia, soprando seu doce chá. Lembrança essa que faz surgir um sorriso em meus lábios. Essa bebê cresceu - assim como meu amor por ela e pelos que vieram após ela. Também me lembro de outra bebê (quatro anos) que "fugia" de chá, "não gosto de chá", ela dizia emburrada; e isso arranca uma gargalhada de mim. São lembranças doces. Mas hoje não quero escrever apenas sobre lembranças; quero escrever sobre esperanças.
VOCÊS ME DÃO ESPERANÇA. Quando olho para vocês, não tenho dúvidas de que o céu é real. E a vida quase faz sentido.
Sou uma abençoada.
É uma frase que espreme meu coração e o faz sangrar como uma uva, mas eu a disse em voz alta. É evidente que não podem entender, meus pequenos, mas isso faz de meus olhos um manancial.
Peço, porém, que Deus me conceda forças para repetí-la até que minha mente descanse e meu coração seja consolado. Vocês são anjos que Ele me emprestou e que me dão um vislumbre do paraíso nesse mar de sal. Vocês - e ele, para sempre - me apresentaram o Paraíso e me fizeram uma pessoa melhor. O segredo contido nessa mensagem é o que me faz suportar conviver com os medíocres. E sobreviver.
Sou uma abençoada.
(Dáuvanny Costa)

domingo, 1 de outubro de 2006

A Ética deles

Pelo 1º de Outubro - Eleições:

É tarde! Perdi minha ética.
Madrugada alta
altas horas de solidão
em que sigo acompanhando a chama
que me chama e serpenteia.
Respiro os pecados do mundo
num imundo axioma que me toma
e choro sem poder dormir.
Nas favelas, nas cadeias, no senado,
por todo o lado há culpados,
há inocentes.
Ainda que o mundo seja injusto
há sempre um custo para a verdade.
Lavo minhas mãos como um Pilatos
busco culpados sem querer de fato achá-los.
Onde está minha ética?
Se estou cética e não quero nem pensar em Deus?
Quanto mais nos meus que me esperam voltar ao lar
às origens do meu ser e humildade
obscurecidas pelo poder e autoridade
e essa caixa de maldades
que abriu-se em mim...
conheço o justo e só pratico o injusto
desde que me vendi em troca de uma cadeira
elétrica, porém faceira, que me seduz.
Fizeram-me procuradora me entregando confiança
que ignoro e não procuro nada
a não ser minhas vontades
e em cada azo de fazer o mal eu me deleito.
Vendi-me por trinta moedas.
Vendi minha honra e dignidade,
tornei-me Judas, mas cansei de o ser
- e não ser.
Minha esperança é vã.
Quero a manhã de sol risonho,
quero de volta o sonho que me pôs aqui,
quero de volta meu sentimento
no sussurrar do vento desse amanhecer
sem moral sou acuado animal
que uiva para a inalcançável lua
Despi-me de ética
só pela estética de parecer o que não sou.
Tornei-me vazia
e isso não me acalma.
Ganhei o mundo e perdi a alma
defronte de um eletrônico painel
sou uma rainha de papel
que não governa nada.
Não tenho mais povo, só partido,
partido está meu coração
que se despedaça a cada aprovação de lei
que eu não li e que não sei,
mas dei meu parecer.
Quero fugir antes que de vez me perca
contudo, perco minha cabeça se abrir a boca
para discordar.
É tarde. Perdi minha ética.
(Dáuvanny Costa)

Voltando...

Há um tempo determinado para todas as coisas e a vida é cheia de surpresas. Surpresas dolorosas tantas vezes; surpresas que podem destruir nossas vidas (ou nos tornar mais fortes). Surpresas que não desejamos. Há outras, todavia, agradáveis. Surpresas que nos fazem sorrir de novo, aquele riso de infância, riso que não sabemos mais rir.
Há um tempo determinado para todas as coisas. Difícil é ter a sabedoria para notar esse tempo. Que ele se faça hoje! Tempo de quebrar cadeias, tempo de restauração, tempo de ir ao parque com a cesta repleta para o piquenique. Tempo de conhecer e desfrutar o novo. Todavia, não há 'tempo determinado para amar', porque esse tempo é sempre. E o amor é sempre o mesmo, sempre antigo, porque é um verbo único que eu não conjugo no passado.
Há um tempo determinado para todas as coisas e talvez (minha única ciência) hoje seja o tempo de escrever novamente nesse blog; e o faço como a mãe que embala seu filho. Com cuidado vigilante. Por isso não escrevo sempre. Palavras são como frutas: não podem ser colhidas verdes nem aproveitam se apodrecidas. Tomo cuidado com as palavras porque Ele é o verbo.
Estive ausente. Circunspecta. Ocupada. Pré-ocupada. Como disse um amigo meu: saí sem deixar bilhete sob a caneca... espero que meus dois leitores possam perdoar-me. O café esfriou. Será que dá tempo de fazer um fresco, fumegante, novo?
Há um tempo determinado para todas as coisas. E chegará um tempo também em que aprenderei a agradecer o carinho dos amigos presentes. Aprenderei a olhar através deles com os olhos da graça que Deus deseja que eu tenha. Aprenderei também a escrever e então, talvez não plante mais esse rabiscos aqui, mas falarei ao coração de cada um.
Há um tempo determinado para todas as coisas. Meu tempo é sempre.