quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Bene Tibi!

Habituei-me a gostar de vinhos. Sem pretensões. Não sou nem desejo ser enóloga. Preocupo-me pouco com hastes ou bordas dos copos nos quais sou servida. Basta que sejam taças e possa brindar. Respeito temperaturas - nada meticuloso, no entanto. Gosto de aromas e sabores.
Tintos, prefiro os jovens violáceos, quiçá os cerejas, não muito evoluídos. Brancos, dou preferência aos mais velhos, de matiz ouro ou ouro-acobreado. Quanto a aromas, prefiro florais.
Não sou conhecedora de vinhos. Pouco distingo os sabores das uvas dos tintos: cabernet franc, cabernet sauvignon, merlot (que não tem mesmo diferença alguma com a carmenère), cinsault, gamay, malbec ou lambrusco. Ou dos brancos: chardonnay, chenin blanc ou trebbiano. Também prefiro tintos aos brancos, respeitando as ocasiões em que não podem ser substituídos.
Celebro o vinho com todos os meus sentidos, mas degusto o vinho para celebrar a vida.
Brinde que faço hoje. À vida. E aos entusiasmados da vida.
Brindo a quem abraça causas, desbrava oceanos e celebra amizades. Brindo a quem tem paixão, faz as coisas com excelência, persevera e vibra.
Brindo a quem se mostra interessado, a quem não tem medo de arriscar, de sonhar e de viver. Brindo a quem tem coragem de assumir suas posições e erros, mas não se perde pelo caminho, prostrado e sem medo de tentar de novo.
Brindo a quem trabalha para construir uma vida melhor (nem que seja a própria), a quem estuda inconformado com a ignorância, a quem crê quando já não há motivos para tanto, a quem se alegra pelos feitos do passado, mas caminha para o futuro.
Brindo aos audaciosos, que erram porque tentam e que acertam também porque tentam. Brindo aos que acreditam que mudarão algo, senão fora, ao menos dentro de si mesmos.
Brindo aos indestrutíveis, aos esperançosos, aos humilhados. Brindo aos que se embriagam de coragem e se deslumbram com os matizes de um amanhecer dourado.
Brindo aos não-resignados, aos que gritam: “eu faço”, aos que estendem o dedo na cara feia do desânimo e gritam: “você não pode nada contra mim!”.
Brindo aos que amam. Aos que sorvem a vida lentamente em pequenos goles, degustando cada gota como um bom vinho. Brindo aos que não a engolem sofregamente enquanto se perdem em tantos outros pensamentos como se faz com o café frio do boteco.
Brindo aos que não têm medo de amar e de viver em nome desse amor. Brindo aos fortes, que mesmo em guerras não sentem vergonha de mostrar sua vulnerabilidade.
Brindo aos que sabem o que querem e lutam para que aconteça. Aconteça o que acontecer.
Brindo a mim. Esperançosa de que meu brinde também seja a ti.
Brindo ao ano que começa; desejando que seja um ano cheio de possibilidades e transbordante de realizações. A votre santé, Salute, Cheers, Salud, Tin-tin, Proost ou bene tibi; não importa em qual idioma, importa apenas que a felicidade faça morada em teu coração.
(Dáuvanny Costa)

* ‘Bene tibi!’ significa: À tua saúde.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ouvindo - Tem calma

Muitas vezes as precipitações nos precipitam ao caos. Difícil coisa é navegar de volta ao cais. Quando atingir a margem, ensinarei o caminho. Por ora, perco-me.

Capacidade de amar

"Nunca se alcançou nada de uma vez para sempre. Não nos podemos instalar no amor. O amor vive-se. Cresce, desenvolve-se, progride sempre, ou então começa a enfraquecer. Talvez devamos desconfiar de um amor encolhido, de um coração que dá sem se dar, de uma vontade que se oferece sem se entregar totalmente, de uma liberdade que se afirma, mas não se constrói plenamente.
Lealmente, diante de Deus, vejamos se o vidro dos nossos olhos, do nosso coração, da nossa vontade, da nossa liberdade, da nossa sensibilidade não estará um pouco escurecido, a ponto de não permitir que o raio do amor de Deus nos penetre inteiramente. Vidro escurecido pelas nuvens da tibieza, do pouco-mais-ou-menos, da falta de generosidade, do deixar-correr. Vidro escurecido pelas manchas, por mais pequenas que sejam, mas que acabam por empobrecer o amor, por impedir os impulsos do amor, por diminuir as capacidades de se dar verdadeiramente. De fato, amar pouco-mais-ou-menos já não é amar. (...)"
(Pe. Constant Tonnelier in Quinze dias com São João da Cruz)

Os passos

"Mas a raposa voltou à sua idéia:
- Minha vida é monótona. Eu caço galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fossem música. E depois, olha! Vês lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
- Por favor ...cativa-me! - disse ela.
- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer." (Antoine de Saint-Exupèry in O Pequeno Príncipe)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Sim

"Mudei muito, e não preciso que acreditem na minha mudança para que eu tenha mudado". (Caio Fernando Abreu)

A Palavra e o Natal

Em viagem recente, minha sobrinha Giovana perguntou-me, ainda no carro, quem inventou a palavra.
Reduzi a velocidade, franzi o cenho por trás dos constantes óculos escuros e respondi de pronto: “Deus”. O Deus que disse: “Fiat lux. E houve luz” (Gênesis 1.3). O Deus que se tornou o verbo encarnado: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 1.1). Deus, autor e consumador da palavra. E que apresenta a si mesmo como sendo ela.
Nutro profundo respeito pela palavra. Estudo-a, perquiro-a, sorvo-a. Desejo conhecê-la profundamente, ser-lhe íntima, desvendar-lhe os sentidos, num embate amoroso e terno que revele e renove o verbo em mim.
A palavra, para mim, tem ar sagrado. No entanto, a sacralização da palavra não está na importância que lhe dou, ELA é o sagrado.
Sou contemplativamente silenciosa. Silente quedo-me, fazendo pausa na música que há em mim. Suntuosa é a palavra para emergir sem um propósito. A própria palavra, paradoxalmente, calou-se: “E Jesus, porém, guardava silêncio” (Mateus 26.63).
Destarte, meço as palavras, peço a palavra, peso as palavras, sou de palavra; não a gasto com impropérios, com cogitações de vidas alheias, com intrigas e vilezas. A força da palavra é para ser dita não desdita, bendita não maldita, soprada não arrancada. A palavra não fere; o que fere é o invólucro que a envolve e a corrompe.
A palavra veio para os homens e eles a fizeram calar. Para comemorá-la hoje. Comemoram-na hoje com enfeites e presentes, com árvores e champanhe, com panetones e perus, com cartões e luzes. Comemoram-na fora de si mesmos, num ímpeto talvez desesperado de preencher a ausência da voz de muitas águas que se tornou inaudível.
Comemoram-na hoje, chamando-a Jesus menino, esquecendo-se, talvez, de que o menino cresceu. E foi crucificado, carregando a dor do mundo; mas a morte não pôde detê-lo e Ele retornou. Retornou para mostrar-nos o sentido real de sua vinda: Amar o próximo como a nós mesmos. E fazer bem aos que nos odeiam. Em todo o tempo.
A palavra não pode louvar e cantar em um dia apenas, enquanto permanece calada em nosso coração durante 364 dias do ano. A palavra grita em nós que Jesus Cristo é o dono da festa. É seu o Natal; o Natal é sua festa, seu nascimento, sua origem humana, a palavra trazida à vida, encarnada no Salvador. A palavra, que é Jesus Cristo homem, deve nascer em nosso coração todos os dias em que nos denominamos ‘humanos’. Palavra que emerge com propósito.
Que ela nasça hoje em ti. E em mim. Permanecendo por todos os nossos dias; e no próximo ano, quando as luzes de fora se acenderem, serão ofuscadas pelas luzes de dentro, que não mais se apagarão.
(Dáuvanny Costa)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O silêncio conselheiro

"A sabedoria humana aprende muito se aprender a calar-se".
(Jacques Bossuet)

Exercício à paciência

"Um homem inteligente é por vezes forçado a embebedar-se ou a isolar-se, para conseguir aguentar os idiotas com que se vai cruzando todos os dias". 
(Ernest Hemingway)