quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Indulto ou Insulto?

O indulto é um ato de clemência do Presidente da República. E uma das causas excludentes da punibilidade, como reza o artigo 107 do Código Penal:
“Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
I – OMISSIS;
II – pela anistia, graça ou indulto;
III a IX – OMISSIS”;

A anistia, segundo Damásio de Jesus, atinge, em regra, os crimes políticos, pode ser concedida pelo Poder Legislativo e exclui o crime, rescinde a condenação e extingue totalmente a punibilidade; a graça e o indulto atingem crimes comuns, são de competência exclusiva do Presidente da República e apenas extinguem a punibilidade, podendo ser parciais.
O que, comumente, passou a ser chamado de “indulto”, não passa de saída temporária. Saída temporária de presos para visitar suas famílias durante algumas épocas festivas; destarte, tem-se a “saída temporária do dia das mães” (ainda que não tenham mãe ou sejam filhos da), “saída temporária da Páscoa ou do Natal” (ainda que não sejam cristãos, aliás, cristãos não são mesmo), “saída temporária do dia da letra Q”... Em substância, o que não faltam são as saídas temporárias. Quanto aos contribuintes, nessas épocas é melhor alugar um bom filme, cerrar cautelosamente portas e janelas e se enclausurar em prisões forçadas. Porque o Estado decidiu que a liberdade dos filhos da, é mais importante que a nossa. Eles saem. Nós não.
Pois bem. O Decreto 5295/04, concede o tal do “indulto condicional” a algumas espécies de condenados, desde que atendidas algumas condições. A tendência liberalizante da generosidade do Estado não condiz com a realidade da violência com a qual convivemos diuturnamente. Desamparados pelo poder público, somos alvos fáceis da ideologia falaciosa dos grupos de defesa aos direitos dos meliantes (a quem chamam, carinhosamente, de “humanos”).
O intuito verdadeiro dessas saídas temporárias é abrandar a pena dos condenados, concedendo a eles o que eles não concedem às suas vítimas: clemência. Acuados, observamos atônitos e silenciosos os agravos cometidos contra a nossa cidadania. Nossa liberdade, tolhida constantemente, é agredida por cada sentença favorável, por cada benesse pública, por cada ato discutível do Poder Judiciário, por cada assinatura do Presidente da República. Furtados, humilhados, violentados, sequestrados, ainda somos forçados a conviver com a lassidão das leis.
Não bastasse a tenuidade na aplicação das penas, os gestores do Estado não se intimidam em liberar prisioneiros já condenados, na ânsia de desocupar presídios e delegacias. O contribuinte que se vire. E ore. Se souber.
(Dáuvanny Costa)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Como ficam as garantias da SOCIEDADE???

[...]
"Imaginemos agora que você more num prédio de apartamentos, no qual moram várias famílias, cujas crianças costumam brincar num playground situado nos fundos do terreno. No terceiro andar mora um rapaz, dono do apartamento, cujo quarto tem a janela voltada para o tal playground. Ele encontra-se em gozo de férias e, por isso, pretendia dormir até mais tarde, o que o barulho da criançada não permite. Ele então empunha sua espingarda de caça e vai abatendo, uma a uma, as perturbadoras crianças, como se estivesse em Columbine.
Ele vem a ser preso, é lavrado o auto de prisão em flagrante e arbitrada fiança, pois ele é primário, tem residência fixa e emprego. Paga a fiança, ele é solto, voltando para casa.
Vamos dramatizar ainda mais: uma das crianças mortas era seu único filho. Como você se sentiria cruzando diariamente com aquele vizinho no corredor do edifício ou subindo com ele no mesmo elevador? Que ideias lhe viriam à mente?
Oferecida denúncia contra ele, o defensor arrola meia dúzia de testemunhas, dentre as quais Gisele Bündchen e Ricardo Izecson Santos Leite. Serão expedidas cartas rogatórias para ser tomado o depoimento da itinerante modelo onde quer que ela esteja desfilando e para ser ouvido o tal rapaz, que atua no futebol da Europa sob o nome de Kaká. Anos depois, quando voltarem as cartas rogatórias devidamente cumpridas, a defensoria requererá que o jogador e a modelo sejam submetidos a acareação, cujo indeferimento caracterizaria cerceamento de defesa. Quanto tempo mais será necessário?
Imaginemos que um dia a instrução desse processo termine e sobrevenha uma sentença condenatória. Condenatória? Coisa nenhuma. Será uma sentença determinando que o réu seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. O acusado continuará a circular pelo edifício onde vocês dois moram, pois é primário e tem bons antecedentes. E continua sendo legalmente inocente.
A primeira providência da defensoria será apresentar um recurso de Embargos de Declaração, para que o juiz explique melhor algum trecho da sentença. Esse recurso será rejeitado ou acolhido, publicando-se o resultado meses depois.
Sobrevem então o recurso propriamente dito, que deverá ser apreciado pelo Tribunal de Justiça, recurso esse no qual a defensoria certamente arguirá umas tantas nulidades e pedirá a despronúncia do recorrente, como é de praxe. Os autos do processo irão à Procuradoria de Justiça, de onde retornarão no ano seguinte. Enquanto isso você continua a cruzar com o mesmo vizinho no corredor do edifício onde ambos residem.
Anos depois, o recurso será julgado, confirmando-se a decisão que mandara o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. O Acórdão será então lavrado, assinado, registrado e publicado, o que exigirá uns tantos meses. A defensoria, então, apresentará recurso de Embargos de Declaração, para que seja esclarecido isto e mais aquilo. Meses depois os tais Embargos serão julgados, o respectivo Acórdão será lavrado, assinado, registrado e publicado, o que exigirá mais alguns meses. Enquanto isso você continua a cruzar com o recorrente no corredor do edifício onde ambos residem, pois ainda não é o caso de expedir-se mandado de prisão, já que o réu continua sendo legalmente inocente.
Agora a defensoria apresenta não apenas um, mas dois novos recursos. No primeiro, dito Recurso Especial, ela invocará violação de algum preceito constante de lei federal; no outro, dito Recurso Extraordinário, a defensoria alegará violação de algum preceito constitucional, coisa que qualquer rábula sabe fazer. Os autos irão novamente à Procuradoria de Justiça, de onde retornarão no ano seguinte, com pareceres sobre um e outro desses recursos. Eles serão então despachados pelo Presidente do Tribunal de Justiça que ou manda que o recurso seja enviado ao tribunal de Brasília competente para apreciá-lo, ou indefere o recurso. Do indeferimento caberá novo recurso, dito Agravo de Instrumento, que será apreciado por um Ministro de um Tribunal Superior, em Brasília, sabe-se lá quando. Em Brasília caberão tantos recursos de Embargos de Declaração quantos a imaginação e a criatividade do Advogado conseguirem criar. Quando algum deles for indeferido liminarmente, sob a alegação de ser meramente protelatório, sempre caberá o recurso de Agravo Regimental, cuja decisão também admite novos Embargos Declaratórios.
Enquanto isso você continua a cruzar no corredor do edifício, onde ambos ainda residem, com a pessoa que, anos atrás, quando os cabelos de tua esposa ainda não eram grisalhos e quando havia cabelos em tua cabeça, disparou contra crianças que faziam algazarra no playground do edifício onde você e ele já viviam. Lembra-se?
Repare que até agora ele ainda não foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Quando isso ocorrer e ele for condenado, finalmente ele será preso e começará a cumprir a pena. Certo? Errado. Ainda faltam ser interpostos muitos e muitos recursos.
Quando tiver sido definitivamente julgado, o tal rapaz, agora um respeitável senhor, casado e bem empregado, deverá deixar o emprego e a família para passar uns tempos atrás das grades. Uns anos mais e ele sairá de lá presumivelmente ressocializado.
Esse trabalho merece uma crítica técnica: enquanto o Tribunal do Júri não afirma sua culpa, o homicida deve ser considerado tecnicamente inocente. Acontece que mesmo depois de condenado pelo Júri, sabe-se lá quando, ele continua em liberdade. Depois de confirmada a condenação no Tribunal de Justiça, ele continua solto. Rejeitado o Recurso Especial pelo Superior Tribunal de Justiça, ele continua solto. Denegado Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal, ele ainda continuará solto. E tanto num como em outro desses tribunais caberão ainda recursos e mais recursos. Tudo em nome das "garantias do acusado".
E como ficam as garantias da sociedade?"
(Adauto Suannes)