sábado, 25 de fevereiro de 2006

Meu Lamento

O país está vivendo um grave problema ético na Política Nacional. Milhões (MILHÕES eu disse) de reais estão sendo obscenamente desviados de cofres públicos. Dinheiro esse que deveria ser usado para a Saúde, Educação, Segurança etc., e o país fica mais indignado com o dinheiro espontaneamente doado por dizimistas do que por esse quadro vergonhoso e nauseabundo.
Recebi muitas mensagens indignadas com o fato de um membro de instituição religiosa ter sido apanhado com malas de dinheiro; mensagens parciais e tendenciosas, mensagens pejorativas e piadas de extremo mau-gosto. Abstive-me de tecer comentários porque não queria que minha opinião também fosse parcial (coisa, aliás, que me diminuiria). Não defendo o religioso envolvido e não o respeito - por motivos de foro íntimo; entretanto, não tenho o direito de condená-lo sem que o mesmo seja julgado. O dinheiro proveniente de dízimos é um dinheiro legal. O trabalhador que recebe o seu salário pode fazer o que quiser com ele: pode doá-lo, jogá-lo fora ou até mesmo rasgá-lo. É SEU dinheiro. Alguns políticos usam dinheiro de OUTREM (NOSSO) e é contra isso que deveria a sociedade ficar indignada.
Quanto às manifestações que aproveitam para espezinhar aqueles que crêem em algo (ou em  "Alguém") que os 'manifestadores' não podem entender, são deploráveis. Quem nos dá o direito de depreciar a fé do próximo? Eu não ofendo quem pensa diferente de mim e o mínimo que espero é que me respeitem da mesma forma, sem grosseiras generalizações.
Outra questão importante no episódio é o fardo que carregam os que crêem (ou dizem crer). Por que quem fala em nome de Deus têm o encargo de ser melhor do que os outros?! Deveria ser sim, indubitavelmente, mas não é ao homem que cabe esse julgamento.
Que a justiça se encarregue de julgar e condenar o Bispo/Deputado (se ele for culpado), como disse o Cristo: "...Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra" (João 8.7); no grego original: "wV de epemenon erwtwnteV auton anekuyen kai eipen autoiV o anamarthtoV umwn prwtoV ep authn baletw liqon".
A Constituição da República reza expressamente em seu artigo 5º, VI, que é inviolável a liberdade de consciência e de crença; o mesmo artigo reza no inciso X que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Os cristãos, sejam eles católicos, protestantes, espíritas etc. que sejam dizimistas (ou não) têm o direito de serem respeitados no concernente à sua fé, têm o direito de não verem sua crença ser motivo de escárnio. Ademais, há crime qualificado de injúria com majoração de pena sempre que a injúria for cometida envolvendo elementos referentes à raça, cor, etnia, origem ou religião. A nova figura nos crimes de injúria é classificada pela doutrina como "injúria preconceituosa".
Gostaria de não ter sido necessário escrever esse texto, gostaria de que aquelas malas não tivessem existido; contudo, gostaria ainda mais de me tornar íntima de Deus, não somente para celebrar Sua presença no que há de belo, mas também para aprender a lamentar com Ele (como escreveu Ricardo Gondim, que doravante parafraseio), os horrores de um mundo que não cumpre Sua vontade; para aprender também a não julgar os outros por aquilo que não concordo ou que não entendo.
Gostaria de conhecer intimamente a Deus para lamentar com Ele quando esses abusos acontecem. Gostaria muito de aprender a lamentar por homens que não aprenderam a servir o Deus que pregam, achando que isso se resume a pregações e festas quando deveriam dar tudo o que são para servir.
Lamento pela crua realidade do meu país, lembrando que ele vem sendo explorado há muito, muito tempo, por homens venais e bestiais.
Sinto muito, mas há mais para lamentar do que o emprego que os trabalhadores dão, voluntariamente, ao seu próprio dinheiro. Lamento pelos rios que viram esgotos - ou depósitos de bebês. Pelos abortos clandestinos. Pelas florestas que viram cinzas. Pelas praias que viram depósitos de lixo. Pelas crianças que se drogam e vendem seus corpos. Pelos jovens sem sonhos. Pelos seres humanos vivendo sob pontes. Pelos analfabetos. Pelos Policiais mortos no cumprimento do dever.
Lamento a exposição de crianças na internet saciando o desejo de pedófilos imorais. Pranteio o Brasil que tem mensalões e laranjas. O Brasil que perde milhares de filhos para a violência.
Lamento que as demais crenças repudiem os cristãos considerando-os cruéis. E que os que não têm religião os identifiquem em dois grupos distintos: exploradores ou idiotas. E aí fico me perguntando em qual desses dois grupos meus "amigos" incluem-me.
Lamento, com todo o meu ser, a perda da credibilidade da igreja, porque doem em mim e em todos os cristãos sinceros, a imoralidade, a espoliação do pobre, o mercadejo da fé, a banalização do milagre, o teatro, a exploração da humildade. Lamento pelas pregações que não iluminam e nem salgam e mais se assemelham a discursos políticos repletos de promessas irrealizáveis que não mudam o ouvinte e mudam muito menos o pregador. Feiras - nada mais.
Também quero fazer coro com o profeta Isaías e dizer que Deus odeia as muitas orações feitas em Seu nome sem que se busque a justiça, faça o bem, pratique o que é reto, ajude o oprimido e defenda o direito da viúva e do órfão (Isaías 1.11-17).
Todavia, hoje quero lamentar pelos que engrossam o coro dos acusadores, dos escarnecedores, dos depreciadores. Lamento que alguém possa pensar que tem o direito de zombar de quem quer que seja por motivos religiosos. Alegam que se faz "lavagem cerebral" nos cristãos, manipulando-os; decerto se faz, então, em todos os seres humanos: a televisão, a literatura (as artes de um modo geral), a escola, a família, e paradoxalmente, as pessoas que escrevem criticando ferozmente isso, posto que também tentam manipular outrem (poderia rir aqui se não estivesse lamentando). Quisera imensamente que todas as pessoas 'manipuladas' se tornassem pessoas de bem, saíssem das drogas, parassem de se prostituir, de adulterar e de roubar; como a grande maioria dos cristãos "descerebrados".
A fé não é o oposto da razão, mas sim algo que a transcende, que não se satisfaz apenas com ela. Eu prefiro crer e ter muitas dúvidas do que achar que não preciso de mais nada. Não falo em nome de Deus. Falo em meu nome e, como escreveu Dostoiévski, "não é como criança que creio em Jesus Cristo e o confesso. Meus hosanas nasceram de uma fornalha de dúvidas".
(Dáuvanny Costa)

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