O ser humano tem o dom de procurar
sombras quando a luz está à frente, embrenhando-se pelos caminhos do amor ao que
não conhece. O dom de amar o inatingível artista de tv e aplaudir suas tolices.
O dom de aplaudir a celebridade instantânea de rosto bonito e cabeça vazia. O
dom de admirar os sem-religião, sem-moral e sem-temor. O dom de se expressar de
forma magnânima enquanto grita "ele merece" a alguém que nunca havia visto antes e que lhe é apresentado por um animador de auditórios, que, em desenfreado desespero por números, atua como salvador.
O ser humano se deixa seduzir pelo
brilho da moda, brilho que não acende nada de verdadeiro em sua humanidade,
antes a deslumbra numa alegria cega e letárgica que nunca poderá transformar
seu ser. Admira o desconhecido, aplaude o visitante que chega sem licença,
louva a imbecilidade das personalidades descartáveis. Segue padrões ditados por
pessoas prestigiadas como celebridades, mas moralmente enfermas.
Enquanto isso, ignora as celebridades nas sombras e
buracos do mundo. Celebridades que celebram mistérios desconhecidos.
Celebridades que jamais foram entrevistadas em programas de televisão. Célebres
por ser quem são, célebres cuja celebridade está na luta constante pela vida que
não podem negar em si mesmas.
Célebres. Mães abandonadas que
ousaram ser mães e pais sem declinar de sua luta.
Pais que ousaram, da mesma forma,
também se converterem em mães, celebrando em si mesmos o milagre de semear e
irrigar.
Pais e mães que semeiam e parem com o coração na sublime missão de
criar filhos não havidos de si.
Religiosos que creem na religião sem
descrer do Evangelho da graça.
Advogados que não se rendem às
facilidades da profissão, insistindo na missão que os fez trilhar caminhos
ladeados de dores e sacrifícios.
Juízes que não relativizam a aplicação da lei em nome de uma suposta 'justiça social'.
Juízes que não relativizam a aplicação da lei em nome de uma suposta 'justiça social'.
Médicos exaustos que insistem na
capacidade sobrenatural de renovarem a vida.
Cristãos sedentos pela fonte da Água
Viva que brota do trono celestial.
Intelectuais desanimados pela agrura
do zelo, mas constantes nos propósitos escolhidos por suas almas.
Célebres. Merecedores de
celebrações. No entanto, a humanidade em nós, que nos afasta da inexprimível
sublimidade do divino, nos faz desprezar o que conhecemos, na tentativa de
fugir da graça.
O que faz um homem já beirando os cinquenta
anos voltar à escola para terminar o ensino fundamental? O que faz uma mulher
lavar roupas para fora para alimentar seus filhos? O que faz um professor
dedicar horas de seu tempo a ensinar valores? O que faz uma mulher perseguir um
sonho mesmo que tudo pareça contra ela? O que faz um Policial se entregar à
morte protegendo um ideal? O que faz um cristão não se render às armadilhas da
estrada? O que faz uma mulher ser fiel a um homem e à sua memória, quando
ausente dela? O que faz uma mãe arrumar a cama do filho que não voltará? O que faz uma viúva prosseguir e sorrir mesmo com a dor paralisante de sua alma? O que faz um homem trabalhar honestamente mesmo com
todos os exemplos de vitória barata? O que faz um trabalhador ser esmagado por impostos e não renunciar à dignidade do trabalho? O que faz um homem escolher uma só mulher
para amar e a ela se entregar sem reservas e sem receios? O que faz uma esposa
deixar seu lar para limpar e cuidar do lar de outrem? O que faz um homem ser um
homem?
O que faz essas coisas maravilhosas
acontecerem é o milagre da graça; a esperança da glória; a poetização do divino
em nós; a celebração que faz de nós celebridades anônimas.
Ainda assim, mesmo com tantos
exemplos de maravilhosa graça se derramando no homem, esse prefere se admirar
do pouco, do pequeno, do medíocre, banalizando a excepcionalidade do que é
comum, do que é familiar, de seres imperfeitos que tentam alcançar a perfeição
com gestos simples e tantas vezes não notados e mal interpretados. A
familiaridade retira de nós a amplitude da maravilha: "Não é este o
carpinteiro, filho de Maria, e irmão de Tiago, e de José, e de Judas e de
Simão? E não estão aqui conosco suas irmãs? E escandalizavam-se nele. E Jesus
lhes dizia: Não há profeta sem honra senão na sua pátria, entre os seus
parentes, e na sua casa" (Marcos 6.2-4).
Isso é a banalização da maravilha. O
homem se negando a admirar o que lhe é familiar. Era inequívoca a maravilha que
se projetava à frente daquelas pessoas, na figura de Jesus, mas Ele era "apenas" o carpinteiro, o vizinho, o familiar e o comum. A familiaridade que destrói e
corrompe. A familiaridade que evita a graça que transborda do comum, do irmão,
do vizinho, do amigo, do cônjuge.
Os olhos se perdem nos talentos
imaginados no outro desconhecido. Assim, admira-se a devoção do marido da
outra, a beleza da mulher do outro, a inteligência do irmão do amigo, a
sabedoria do pregador que nem sabemos pronunciar o nome. Para nós, o milagre
não pode nascer ao nosso lado, a graça não pode ser derramada sobre alguém que
conhecemos e sabemos onde vive. Para nós, a sabedoria que vem do alto não paira
naquele que convive conosco.
Bem-aventurados os que se maravilham
do comum; que aprendem a admirar a santidade de seu irmão, a fidelidade de seu
cônjuge, a beleza de seus filhos, a inteligência de seu amigo, a sabedoria de
seus pais, a honestidade de seu igual.
Bem-aventurados os que sabem que
negar a maravilha que há no nosso igual é negar a graça.
Bem-aventurados os que
não resmungam que "santo de casa não faz milagre".
(Dáuvanny Costa)
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