quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Sou esnobe

Sou esnobe - segundo os medíocres.

Vivemos em uma época estúpida, míope e fraca. Época em que o importante é “ser feliz” - ou fingir que. Não basta ser um bom profissional, bom cidadão, bom caráter; é mister fazer parte de uma “equipe”, ser “bom colega”, “bom vizinho”, ser simpático e sorrir com frequência alucinante.

A sociedade não aceita o triste, o circunspecto, o calado, o misterioso - enquanto é complacente com o sorridente, o falso, o fraco, o débil. “Não seja forte” - é o slogan dessa campanha nefasta que se alastra pelo mundo como um vírus. Não seja você mesmo.

Em emprego recente, em escritório de advocacia renomado na cidade, soube - à boca pequena, eis que essa gente só consegue falar na ausência - que era considerada “esnobe”. Ora, direis, “esnobe”! Esnobe porque pronuncio corretamente “erres” (r) e “esses” (s), uso os talheres de modo correto à mesa, deleito-me com a língua portuguesa e não cedo em minhas convicções. “Esnobe” porque gasto muito com roupas, mas minha biblioteca é maior que meu armário. “Esnobe” porque não finjo sentimentos e sorrio apenas com sinceridade. “Esnobe” porque meu interesse por filosofia é maior que por esmaltes - conquanto goste de esmaltes também. “Esnobe” porque não sei o que está acontecendo nas novelas da TV.

Ouvir isso foi interessante porque não foi uma frase direta; foi: “os colegas acham você esnobe”. Ora, direis, “esnobe”? Achei graça. Achei graça principalmente porque as pessoas que podem ter dito a tal palavra nem mesmo sabem seu significado. Nunca a procuraram em um dicionário. Desconfio de que usaram dicionários muito poucas vezes na vida - é mais fácil perguntar aos “esnobes” o significado de determinadas palavras [...].

Vamos ao significado de “esnobe”: Esnobismo é desprezar relações humildes, aferir méritos pelas exterioridades, respeitar apenas quem possui grande prestígio e admiração excessiva ao que está em voga.

Vejamos: no momento em que escrevo este texto, meus melhores amigos são livros - ou crianças. Meus escritores preferidos não eram moda em seu tempo, minhas músicas preferidas deixaram de ser há muito e minhas palavras preferidas nem mesmo entram na moda.

Possuo absoluta aversão a eventos sociais. Pessoas e lugares da moda me causam ojeriza. Não há lugar que goste mais de estar que minha casa. Adoro pratos sofisticados e estrangeiros, mas meu prato preferido é maionese. Gosto de vinhos, contudo, não dispenso uma cerveja gelada.

Estou à disposição sempre para ajudar. Indico livros, escrevo pareceres, envio modelos jurídicos, facilito um contato, empresto livros - em último caso, deixo claro -, leio pareceres e petições, empresto dinheiro, trato as pessoas com respeito, ajudo-as a realizarem sonhos, seguro portas, ofereço lugar, dou preferência na passagem, levo pessoas para jantar, pago a conta do restaurante, gosto de dar presentes, fazer alguém se sentir importante. Importo-me com o outro; telefono, escrevo, retorno recados - sempre. Peço licença e desculpas. Agradeço. E a palavra “por favor” segue sempre meus pedidos. Isso não me faz perfeita, por óbvio. Apenas me ensina a sentir empatia - a empatia afetiva.

Pois bem. Descobri que as pessoas chamam de “esnobismo” o que eu chamo de educação. Educação está tão em desuso que quando usada ninguém sabe mais o que significa. Bom gosto virou sinônimo de pedantismo. Triste um país que vive assim.

Sou cortês - e me incomoda profundamente que confundam isso com intimidade.

Gosto de boa mesa, bons perfumes, boas roupas. Gosto de grife - assumo. Inclusive nas pessoas. Pessoas com grife são as que têm caráter, que tentam entender em vez de julgar, que têm mais a oferecer que sorrisos dissimulados, possuem ideias e não têm medo de falar sobre elas.

São pessoas “esnobes” na opinião dos medíocres. Adoro Paulo de Tarso, o esnobe. Admiro os que não seguem a multidão, que não são simpáticos apenas para granjear amigos. Na verdade, não tenho paciência para fazer amigos. Sobretudo se eles não entendem o que é ter educação.

Assim, guardo muitos de meus conhecimentos somente para mim: Linguística, Teologia, Literatura, Filosofia, Etimologia, Gastronomia, Música - e até Direito -, distribuo em doses mínimas. Falo pouco. Nem mesmo vazo aqui esses desassossegos - não vale a pena.

O realmente triste nessa história é que quem me julga esnobe têm acesso às mesmas escolhas que as minhas, mas prefere outro estilo; e as deixo seguir suas vidas sem julgá-las - só não posso deixar de notar o quanto são medíocres.

- Dáuvanny Costa em texto escrito em jul/2013

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