domingo, 22 de março de 2020

O Brasil Invisível

Nas últimas semanas fomos bombardeados por notícias originadas de um país fechado sobre um vírus que ninguém consegue deter. 
Esse minúsculo terrorista, após passear pela terra provocando danos sem medida, invadiu a nossa nação sequer nos dando tempo de lamentar pelas demais. Junto com ele vieram medo, discórdia, tristeza, incertezas, impotência, medidas drásticas, demagogia, insegurança, estrangulamento da economia. Junto com ele veio pânico. 
Os mais belos lugares do mundo estão desertos, as pessoas suspenderam os abraços e o senso crítico, há ordem para manter distância do semelhante, abrem-se mercados e se fecham igrejas enquanto se esquece que nem só de pão vive o homem. A terra parou. Raul Seixas vangloriar-se-ia, mas esse não é um sonho de sonhador e o vírus segue, caminha sem trégua, reprimindo respirações e bom senso.
O vírus abre uma clareira. E, seguindo seu rastro, caminham homens vis, que espreitavam oportunidades de galgar mais poder; caminham notícias exaltadas que geram comoção; caminha a insegurança de quem nunca antes havia se sentido ameaçado. É um vírus que assusta os abastados, os poderosos, os guardiões da moral. É um vírus que não se importa com cores, estaturas, credos, títulos, diplomas, classes sociais, cargos, temperaturas. Nada disso o detém.
Em nome dele, líderes que seguiram seu rastro se manifestam e anunciam medidas espetaculosas sem dimensionar suas consequências. Em nome do medo, esses líderes não cogitam que o remédio pode matar o vírus, mas pode também matar o doente.
O estrangulamento da economia é um fator importante a ser considerado. Empresas podem fechar as portas, o desemprego aumentará, salários serão reduzidos, pessoas ficarão inadimplentes, o fardo ficará mais pesado.
Esse, contudo, não é o fator principal.
Há o Brasil invisível. Esse, que os governantes só veem quando querem votos, que a autoridade só abraça quando quer aumentar seu poder e riqueza, que só é lembrado para artistas fazerem demagogia e emissoras de televisão filmarem novelas.
Há esse Brasil.
É fácil dizer para a classe média ficar em casa. É mais fácil para a classe média ficar em casa. Eu posso perfeitamente bem ficar em casa; sou caseira por natureza e minha casa possui todas as comodidades de que preciso.
“Fiquem em casa!” – gritam tresloucadas as autoridades. “Lavem suas mãos!” – gritam desvairadas as celebridades; sentindo-se, elas próprias, ameaçadas. Passei dificuldades na vida, mas hoje tenho boa comida e, se ela acabar, posso ir ao mercado da esquina para reabastecer a despensa ou pedir alguma coisa por telefone, tenho uma cama confortável para dormir, moro em um lugar amplo e arejado, posso trabalhar em casa normalmente, e não possuo quaisquer problemas de locomoção, se precisar sair. E, que fique claro, não estou pedindo desculpas por poder fazer isso.
A maioria das pessoas que clama às outras para não saírem de casa possui preocupações legítimas com o país - não duvido disso -, mas também possui uma boa internet, tv por assinatura, um sofá macio, estoque de comida, água potável, Netflix, Amazon Prime, ar-condicionado. A tecnologia nos traz conforto. O Brasil invisível não possui nada disso.
O Brasil invisível não possui saneamento básico, comida na mesa, esperança de futuro. O Brasil invisível vende o almoço para comprar o jantar. Esse Brasil não pode e não ficará em casa - casa é só jeito de dizer, pois muitas vezes não passa de um cubículo -, esse Brasil não tem medo de um vírus porque aprendeu a sobreviver a tudo.
O Brasil invisível novamente foi esquecido nas canetadas que pulularam nessa semana. O caminho da responsabilidade é cuidar do povo sem provocar pânico, sem enforcar o sustento dessas pessoas e sem incendiar o país inteiro. Esse Brasil invisível não é lembrado por quem vive em bolhas - jornalistas, juízes, políticos, celebridades - e por isso precisa de todos nós nesse momento. 
Gestores de Estados e Prefeituras se esqueceram desse pequeno Brasil com seus decretos; nos lembremos dele e façamos nossa parte como conservadores e cristãos.
É momento de praticar a caridade.
(Dáuvanny Costa)

Nenhum comentário: