terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Subscrevo

Aquele "menor", bem maior do que o menino João, cujo corpo ele ajudou a espalhar pelas avenidas do Rio, vai ficar três anos internado. E depois será solto entre os meninos-João, por quem não se rezam missas de apelo social. Resta só a dor da família: privada, sem importância, sem-ONG, "sem ar, sem luz, sem razão". Sobre o assassino, há de se derramar a baba redentora rousseauniana: ele nasceu bom; foram os insensíveis da classe média, à qual pertencia o menino João, que o tornaram um facínora. Simbolicamente, a culpa é de quem morre. Também notei que os jornalistas ficaram um tanto revoltados com a polícia, que obrigou os bandidos a mostrar o rosto. Não há dúvida: terrível ameaça à privacidade. Era só o que faltava: trucidar o menino João e ainda ser obrigado a expor a cara... Que país é este? Já não se pode mais nem arrastar uma criança num automóvel e permanecer no anonimato? Sabem do que morreu o menino João? De um ataque virulento de progressismo. Para o menino João, não tem ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), não. Não tem ONG, não. Não tem música do Chico, não. O menino João já nasceu sem perdão. É o guri dos sem-Chico Buarque.
(Reinaldo Azevedo)

IGREJA (Deus não permita mais!)

Vi santos impassíveis diante da dor e do desespero de seus irmãos;
Vi santos discutindo por um molho de chaves e uma torneira, enquanto seus irmãos experimentavam a tristeza e o desalento - sim, eu vi!
Vi santos colocarem feixes de lenha no fardo de um irmão desanimado;
Vi santos desprezarem um irmão porque estavam num terno de griffe;
Vi santos comerciarem a religião no mercado do logro e do engano;
Vi santos mudarem sua personalidade porque mudaram de carro;
Vi santos proibirem os fiéis de se levantarem até para beber água na casa do Pai;
Vi santos mentirem;
Vi santos julgarem;
Condenarem;
Criticarem;
Vi santos desafiando a Deus, como se fossem os senhores dEle;
Vi santos negando auxílio;
Amor;
Amparo;
Compaixão;
Vi santos pregarem uma coisa e viverem outra;
Vi santos diante da oportunidade de serem úteis, virarem as costas;
Vi santos entronizando religião e superstição no lugar de Deus;
Vi santos abandonarem seus irmãos quando mais precisavam;
Vi santos prósperos meditarem dias se doariam uma cesta básica;
Vi santos negarem ajuda financeira quando tinham muito;
Vi santos dizerem a um irmão ferido que se esqueciam de orar por ele;
Vi santos zombando da dor;
Vi santos acusando um ser ferido;
Vi santos gordos;
Magros;
De barro;
De lata;
Vi santos tratarem alguém de acordo com as posses;
Vi santos duros e cruéis;
Vi santos saudarem a uns e a outros não;
Vi santos adorando ídolos;
Vi santos glorificando a Deus e esquecendo de amar seus irmãos;
Vi santos discursarem sobre dinheiro e poder, mas não falarem sobre Deus;
Vi santos esnobarem seus pais;
Vi santos satisfeitos com esse mundo;
Vi santos atônitos diante da perspectiva de perderem a vida;
Vi santos de lata;
De barro;
Vi esse barro fazer ‘birra’;
Só não vi o desejo de ser queimado
Para virar arte.
(Dáuvanny Costa)

Das coisas que não suporto

1) Perguntas pessoais;
2) Sentir-me pressionada;
3) Completarem minhas frases;
4) Perguntas óbvias;
5) Expressões fora de propósito;
6) Tocarem-me sem permissão;
7) Vãs repetições, vãs repetições, vãs repetições;
8) Contestações às minhas crenças;
9) Mercadejo da fé;
10) Cobranças – de qualquer espécie;
11) Tentativas de impressionar-me;
12) Filosofia de botequim;
13) Decretações em nome de Deus;
14) Fé barata;
15) Indecisões;
16) Falta de iniciativa;
17) Advogados criminalistas;
18) Políticos corruptos;
19) Políticos;
20) Invasão de privacidade;
21) Escreverem ou pronunciarem errado o meu nome;
22) Números – de qualquer espécie;
23) Pregarem a si mesmos e não ao Deus pregado;
24) Morosidade;
25) Inércia;
26) Demonstração falsa da inteligência que não se têm;
27) Insinuações ou indiretas – em suma, falta de objetividade;
28) Erros gramaticais;
29) Usarem meus textos sem citação da fonte;
30) Erros de ortoepia;
31) Falta de tato;
32) Críticas fora de propósito;
33) Covardia;
34) Pusilanimidade;
35) Acusações injustas;
36) Falta de objetividade – de novo;
37) Retorno a assuntos já resolvidos;
38) Incapacidade em se admitir erros;
39) Questionarem minhas certezas;
40) Gente que fala muito e não diz nada;
41) Gente que fala muito;
42) Crime e violência;
43) Humanistas;
44) Apelações religiosas;
45) Ressentimentos;
46) Hipocrisia;
47) Shows gospel;
48) Intimidade gratuita;
49) Fofoca;
50) Curiosidade pela vida alheia;
51) Banalização de milagres;
52) Reclamarem do volume do som do meu carro;
53) Tocarem meu cabelo;
55) Pré-julgamentos;
55) Indolência;
56) Desrespeito;
57) Imposição de opiniões;
58) Inépcia;
59) “Atoísmo”;
60) Esperar;
61) Indiscrição;
62) Música ruim;
63) Gente que não discerne anel de aliança;
64) Raciocínio lento;
65) Desocupados;
66) B a r u l h o;
67) Cantada barata (e burra);
68) Histeria;
69) Vadiagem;
70) Comunistas.

Há muitas outras coisas que não suporto, que não me alegram, que não fazem sentido. É uma lista básica, mas não claustra (numerus apertus) - e não está aberta à concessões. Em alguns momentos, confesso, não sou muito tolerante, embora tente.
Lista incorruptível. Mas não posso negar: muitas vezes eu relevo. O que não suporto mesmo é estar em mim.
(Dáuvanny Costa)