terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Minha Loja


A sexta-feira finalmente chega e o ar carregado que durante o dia me fez sentir sufocada, cede lugar à amenidade da chuva que lava a terra. Enquanto lá fora as gotas caem lavando os pés impuros dos homens e escoando impertinentes para dentro das casas sombrias da cidade, meus pensamentos tomam forma e absorvo outras chuvas. Chuva de palavras. Chuva de letras. Chuva de emoções.
Amanhã é Sábado – eu suspiro [...]. O dia sétimo. Dia de descanso. E depois de uma semana cheia de petições, contestações e apelações posso sonhar com minha “loja de doces”.
Suavemente pousa em minha lembrança a “venda do ‘seu’ Zé”. Ah... quantas balas e doces... quantas guloseimas - que eram primeiro devoradas com os olhos: chicletes, chocolates e sorvetes derretendo em meus lábios ansiosos, em forma de sonhos grudentos que sempre me delatavam à mãe.
Hoje os doces são outros... e ah! Quão doces! Sexta-feira é dia de garimpo. E quando entro pelas portas dessa “venda”, fico embasbacada com o prazer do chocolate na obra clássica que encontro. Sabor de manhã de sol. Sabor de domingo de feira. Sabor de beijo furtado.
Passo os dedos por cada guloseima e solto suspiros doces e brancos de euforia. Cresci. Mas quem entra nesta “venda” é a menina de 10 anos que sonhava com os drops, com o embaré, com a bala de café.
Hoje os doces são mais caros - mas duram mais; em casa os armazeno enfileirados por ordem alfabética. Na loja, me deleito em frente a cada estante, e a moça amavelmente me pergunta se pode ajudar. Recuso gentilmente. Quero procurar sozinha os meus doces, quero andar pelos corredores me deliciando com cada barra de chocolate, quero segurar essas balas entre as mãos e, sentindo-lhes a textura, alimentar a alma.
Cada corredor é um visitante novo. Não vejo mais o ‘seu Zé’. A venda da minha infância fechou e eu cresci. Mas quando entro pelas portas desse mar de livros, onde posso navegar sem culpa, tenho novamente 10 anos e tranças nos cabelos. Não lambuzo mais as mãos e sim o próprio coração.
Minha livraria preferida traz o mesmo sabor das guloseimas da “venda do ‘seu’ Zé”, com mais encanto, paixão e devoção. Sento-me no chão com uma ruma de livros e deleito-me. Como. Bebo. Absorvo. Sinto.
É minha loja. Nem que seja apenas por algumas horas.
(Dáuvanny Costa)

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