sábado, 25 de fevereiro de 2006

Meu Estado Apolítico

Estou ouvindo Mendelssohn. Domingo à tarde. Calor insuportável. Mendelssohn não é popular. Alguns amigos dizem que sou muito sofisticada. Reconheço que meus gostos não são populares. Gosto de Música Clássica, Rock Progressivo, escritores russos, liberalismo. Gosto de Latim, Cultura Grega e Filosofia. Sempre fui velha para minha idade, desde que me entendo por gente.
Hoje estava lendo Rubem Alves (que também não é popular): "Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o “povo“ tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere" (Folha de SP, 05/05/2002).
Informei aos meus amigos que estou apolítica. Não quero ver, ouvir, ler ou sentir política. Cansaço moral. Alguns continuam me enviando artigos e notícias. Confesso que não leio. Leio e respondo e-mails desde que não tenham conteúdo político. Nunca precisei do poder público para nada. Absolutamente. Pagamos impostos para não ver o retorno desse 'investimento'. Se quisermos Educação, Segurança ou Saúde precisamos pagar para tê-las. Se tivermos um direito violado, podemos optar em refazer a vida ou recorrer a um Judiciário moroso, contaminado e pouco confiável. Judiciário corrompido. Não me refiro às pessoas. Refiro-me ao Órgão. Ao Poder. Aos Poderes. Os três. Corrompidos. Prego no deserto (hoje sei).
Fingimos que não é tão grave. Fingimos que tem solução e tentamos. Escrevemos artigos, repassamos textos, escrevemos aos 'representantes' (que representam eles mesmos), cremos, invocamos leis; a mentira é doce. Enganamo-nos. Somos sinceros em nossos propósitos, mas somos ingênuos; achamos que podemos mudar as regras do jogo, mas não podemos, porque 'mudar as regras do jogo' significa mudar o povo e o povo se prostitui como Gomer, a mulher do profeta Oséias. O povo é uma massa heterogênea de indivíduos que se deixam levar por imagens enganosas. Basta um Duda Mendonça para o povo crer em milagres.
Meus gostos não são populares. Admito. Isso me afasta do povo, desse povo sofrido que nada mais é do que massa de manobra. Estou escrevendo porque alguém me pediu, escrevo para dizer que estou apolítica. Por favor, não me falem de política, de governos, de mentiras. Não me falem dessa prostituição desmedida em que homens e mulheres fazem do meu país um lugar pior que as cidades de Sodoma e Gomorra. Não me falem desse povo inconsciente e inconsistente; povo que chora no âmago, mas que nas festas enfeita árvores e se enfeita para ver o bloco passar. Não devo nada a esse povo tampouco a esse país. A honestidade política é uma esperança e não tenho tempo para esperanças.
As notícias são sempre as mesmas. Novas vestimentas para velhos crimes. Nada choca mais - ao contrário, tudo vira motivo de chacota nesse país. Os chargistas adoram, os políticos se divertem, mas o povo também sorri, como hienas.
"Animal Farm" de George Orwell (A Revolução dos Bichos, em português) representa bem o cenário político em que vivemos (e talvez sempre tenhamos vivido). Picadeiro. Circo. Mentiras. Mais mentiras. Cheguei a conclusão de que lutar também é um vício e quero curar-me. Entupo meus ouvidos de cera (como Ulisses), não quero ouvir esses cantos mortais; tomo a decisão de estar apolítica. Tenho o direito. Política se faz com imagens e mentiras. Sou verdadeira demais para participar disso.
Essa semana assisti a "Hitler: a trajetória do mal". Hitler? Desconfio de que não apenas. Se fosse dado a esses políticos o mesmo poder que ele recebeu, todos fariam o mesmo. Exagero. Extrapolo. Talvez apenas 'quase todos'. Exorcizo.
Renuncio.
Por ora.
Sempre escolhi meus candidatos pela honestidade. Acho que quem vota nulo é (diferente de estar) apolítico. Não tenho candidato. Se não tenho candidato, estou apolítica (nada mais óbvio), e estando assim, não posso envolver-me.
Acusam-me de gostos aristocráticos; os que não me conhecem ou não entendem, vão mais além. Todavia, também posso ser bastante popular. Na linguagem: Quero que dane-se.
(Dáuvanny Costa)

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