domingo, 26 de fevereiro de 2006

Um lugar para chorar

Todos nós, em algum momento da vida, já esteve sem lugar para chorar, seguindo quiçá por um deserto sem oásis. Entretanto, muitos dentre nós têm onde fixar sua mente e coração. Pode ser um amigo, um ideal, uma crença ou um amor. Os mais venturosos, têm os quatro.
Estar sem lugar para chorar é não se encontrar em si mesmo, é não ter descoberto seu papel no mundo. É errar sem destino. Alguns fatores contribuem para tal estado de ânimo; a solidão, entretanto, é um dos maiores precursores. Nossa voz é apenas a 'voz do que clama no deserto'. Sem ouvidos atentos para nossas palavras. Lágrimas? Em momentos assim são inevitáveis.
Est modus in rebus. Há uma medida para a solidão também. A dolorosa ausência de esperança se transforma, paradoxal e milagrosamente, em espera quando há um lugar para deitarmos a cabeça.
O abraço de um amigo, nessas horas, nos transporta para a segurança do amor phileo, onde todos os desejos são partilhados numa alegria silenciosa, como nos lembrou Gibran; no olhar de um amigo renascem em nós os sentimentos ternos de outrora e podemos crer que vale a pena lutar, não porque vai dar certo, mas porque simplesmente andamos de mãos dadas.
A lembrança de um amor, em sua presença ou ausência, nos admoesta a prosseguirmos e por mais longe que esteja, sempre estará presente numa ausência-presença. Podemos ouvir sua voz doce e melodiosa, podemos sentir seu perfume inebriante pelo ar e a lembrança de seu riso nos proporciona revigoramento. Esse amor está em nós. Intrínseco. Inerente. E não importa seu alvo. Não importa nem mesmo se é correspondido. O que importa é senti-lo.
A força de um ideal nos impulsiona como uma alavanca, em defesa de nossas convicções. Um ideal em nós, nos faz suportar os revezes a que tantas vezes somos obrigados. Aguardamos um porvir melhor, menos kafkiano, quando brilha em nós a força de um ideal. Não aguardamos estoicamente um futuro medíocre ou uma vida medíocre. Quando se tem ideais, causas são abraçadas, pessoas são consoladas e feridas são curadas.
Contudo, não há nada que nos faça crescer tanto como a . Crer - e viver o que cremos. Fé não é um discurso religioso, não é uma zona de conforto (nem de confronto), não é uma arma. É uma ferramenta; e ferramenta pressupõe trabalho a ser feito. Fé é o que move o homem a se doar sem limites, sem autocomiseração e sem juízo algum sobre seu semelhante. Há muitos alvos para a fé, e meu alvo é não errar o alvo, é render a Deus os meus louvores. Quando se está sem lugar para chorar, um amigo ajuda muito, um amor é precioso e um ideal é sublime; mas somente DEUS é misericórdia.
Um amigo (os melhores) oferecem seu braço. E quão compassivos amigos eu tenho encontrado! Os meus amigos são pessoas inestimáveis que navegam comigo sempre prontos a pegar os remos se eu soltá-los. Os meus amigos me oferecem uma dose de generosidade que não é encontrada em qualquer amigo. Só nos especiais.
Um amor oferece o coração. Falo do amor que nos é dado pelo céu. Do amor ágape, que nos faz fiéis como o escaravelho que se enclausura no seio de uma única flor e não pusilânimes como a abelha saqueadora, segundo definição belíssima de Roger Martin du Gard. O amor que nos toma, nos completa e nos arrebata. É assim o amor que vive em meu coração. O alvo do meu amor são pessoas insubstituíveis. Rostinhos doces de crianças únicas, rostos fortes de mulheres e homens de fibra, e o rosto lindo dele, o homem que me fez melhor.
Um ideal nos oferece pernas, nos faz caminhar, faz nossos cérebros transbordarem de ânimo, nos convoca à luta, nos liberta do quarto escuro nos arremessando à vida.
Mas só Deus nos oferece colo e consolo. Um lugar para chorar. Preenche nossa alma. Com Ele podemos crer que nossa vida não é inútil, que nossos fracassos não são fatais e que nossa dor um dia há de extinguir-se. Deus transforma o comum em espetacular. Nos levanta do nada (e não foi do nada que Ele criou o mundo?!).
Às vezes Deus nos leva ao silêncio. À espera. No mundo tumultuado em que vivemos nem sempre prestamos atenção à Sua voz, sendo que só no silêncio de nosso coração podemos ouvir Seu sussurrar, e se apurarmos nossos ouvidos, poderemos, por fim, ouvi-lO.
(Dáuvanny Costa)

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