quarta-feira, 3 de maio de 2006

Aniversário - de Pessoa e meu

"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!... (Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos. DURO. Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!..."
(Aniversário, Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)
Grifos meus.

Aniversário é qualquer dia em que você se lembra de prosseguir.
Hoje já não faço anos. Duro... e agradeço a todos os que me ajudam nessa jornada, de algum modo - às vezes apenas com a esperança.

2 comentários:

Lou H. Mello disse...

Hoje já não faço anos. DURO. Somam-se-me dias.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
Nada a acrescentar a essas palavras.
Talvez, não sei, alguma nova esperança...
e la vamos nós de novo...

Anônimo disse...

Gosto demais desse poema de Fernando Pessoa ... Aniversário !
Sempre me identifico muito com tudo o que ele diz ...
Acho muito triste ... até choro sempre que leio ... mas, é muito significativo prá mim !!!!!!!!
Você fez aniversário e nem me avisou, hein ?????
Um super abraço, amiga !!!!!!!
Neide