sexta-feira, 16 de junho de 2006

Calando a palavra

Hoje vi uma criança no Semáforo. Sete anos. Passeava entre os carros; me disse que o Semáforo é seu segundo lar desde os três anos. Pouco mais que um bebê, uma criatura pequena e dócil, indefesa escondida apenas pelo olhar triste e solitário.
Que ação social pode consertar a irresponsabilidade de pais que procriam sem conceder um mínimo de dignidade à sua prole? Que exploram mãos inocentes em mendicância e vendas de bugigangas?
Que ação social pode reverter a omissão da sociedade diante de um quadro pintado com cores tão tristes?
Que ação social pode segurar minhas lágrimas enquanto ouço essa criança que mal sabe amarrar seu par de tênis? Sua voz fraca e débil sai dos pulmões numa dor conformada. Vejo desesperança em seus olhos.
Parece-me fácil culpar políticos, culpar vizinhos, culpar os outros. Por isso culpo a mim.
Nossa responsabilidade é tentar. Tentar consertar o mundo. A responsabilidade não é conseguir; somente tentar: "E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus" (Romanos 12:2).
Quem disse que precisamos esperar calados um novo porvir? Quem disse para não nos misturarmos aos problemas do mundo? Será ESSE mundo expressão da boa, agradável e perfeita vontade de Deus?!... A atitude sectária isolacionista de alguns cristãos contradiz a ordem do Cristo: IDE. Ide para ser sal e luz. No mundo, não fora dele; não na Jerusalém celestial, mas no mundo. Agora. Cristãos ou essênios? Jesus caminhou pela Terra e cuidou das dores. Essênios se escondiam pelas rochas, isolados.
Charles Finney afirmou que a tarefa do cristão era transformar o mundo. Pois bem! Como transformar sem participar? Onde está o espírito de ousadia que nos foi dado? Os crentes se tornaram egoístas, medrosos, preconceituosos, acomodados e isolados dentro das quatro paredes da igreja. Separatistas e alienados. O que Jesus condenava: hipócritas que simulam a vida em lugar de vivê-la; que se escondem por trás de promessas e chavões de prosperidade.
Não somos desse mundo, mas vivemos nele e precisamos dele. Artes, Cultura, Dinheiro, Legislação ou Medicina... não podemos viver sem esses valores. A esperança da glória basta a minha alma cansada, mas meus olhos não suportam a dor do mundo. Tampouco minha dor. Falo porque a palavra é criadora. A palavra é Deus: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 1:1). Tomo cuidado com as palavras porque elas são Deus em mim, a manifestação dEle, Ele se manifesta por minhas obras e por minhas palavras.
Que ação social pode mudar nossos conceitos?
É tempo de revolução.
Hoje a palavra saiu para passear e encontrou uma criança pobre de olhos tristes. E a palavra calou-se.
(Dáuvanny Costa)

4 comentários:

Lou H. Mello disse...

Que ação social pode mudar nossos conceitos?
É tempo de revolução.

Você perguntou.
Você respondeu.

Em recente entrevista, perguntaram a Oscar Niemayer o que fazer com tanta miséria. Resposta: Só a revolução pode mudar isso.

O tipo de revolução é a questão. Social, religiosa, armada e ai? Temos fé para uma revolução pacífica? Estamos prontos para suportar o sofrimento? Dar a outra face a quem bate? Derrotar a corrupção com dignidade? Fariamos isso por essa garotinha e seus iguais?

Anônimo disse...

Em primeiro lugar parabéns pela reflexão! São poucas as pessoas que enxergam estas crianças de olhos tristes nos faróis.

Principalmente que tenham coragem de saber a história desses meninos.

Os vidros dos carros sempre são fechados ou o olhar é desviado antes mesmo deles se aproximarem de nós.

Digo isso, pois infelizmente esta imagem tornou-se normal aos olhos da sociedade. Afinal, há milhares de crianças “vivendo” esta situação digna de nenhum ser humano.

Penso como você. Não adianta colocarmos a culpa em políticos... NÓS somos os grandes responsáveis por imagens como estas continuarem a existir.

Acreditamos que NUNCA nos encontraremos em situação igual ou semelhante a desta criança ou família.

Temos a convicção que a culpa não é nossa, mas dos vizinhos, dos políticos, da sociedade.

Nós somos os grandes culpados, pois escrevemos tudo isso, sabemos o que é certo e errado, mas tudo ficar por isto mesmo.

Não somos capazes de ajudar crianças como estas, pois talvez tenhamos problemas demais e tempo e dinheiro de menos.

Somos egoístas e não adianta dizermos que a solução está em nossas mãos... a situação é mais complexa.

Infelizmente somos egocêntricos demais para ajudarmos o próximo, o irmão que não conhecemos.

No dia em que formos realmente solidários o mundo será melhor. Seremos pessoas melhores e não haverá pobreza e miséria no mundo.

Será que um dia veremos isso?

Sinceramente? Não sei.

Anônimo disse...

É uma reflexão muito importante, Dáu.
Qual de nós já não esteve diante de tal quadro e não agiu com indiferença!? -Procuramos culpar sempre alguém porque não queremos reconhecer a nossa própria miséria, refletida nos olhos dessas crianças. E, muitas vezes, quando estendemos a mão, não é exatamente para ajudar, mas para desculpar a nossa indiferença costumeira.
Acredito que isso é ainda mais sério quando falamos de cristãos; quase toda a nossa população é cristã, porém, quantos têm tratado o irmão mais necessitado como se fosse o próprio Cristo!?

-Que Deus nos livre de nós mesmos!

Anônimo disse...

POIS É ... MINHA GRANDE AMIGA ...
SOMOS TODOS CULPADOS !!!!!
POR SERMOS TÃO EGOÍSTAS !!!!!
SABEMOS QUE ESTÁ TUDO ERRADO ... MAS NÃO FAZEMOS NADA OU NEM AO MENOS, TENTAMOS MUDAR TUDO ISSO !!!!!
INFELIZMENTE ... E A VIDA ASSIM VAI ...

Beijos.
Neide