sábado, 11 de outubro de 2008

GI, GUI, MANU, MI, DUDA


Era para ser uma crônica grave. Séria. Preclara. Tomei da folha imaculadamente branca (a mais branca que encontrei) e da caneta azul preferida. Sentei-me à mesa, cautelosa, com o ar grave, semblante calmo, mas sério. Segurei a xícara de porcelana com o perfumado café da Fazenda Águas Claras e garimpei lembranças na memória. Porém, nada de sério encontrava nas escavações. Em vez disso; risos, mãos meladas, pedidos exigentes de “McDonald’s” e piqueniques, cabelos soltos rolando num vento manso.

Vez ou outra acalentava na mente rostinhos como de beijinhos de coco com açúcar cristal, rostinhos brancos e corados, iluminados por grandes e brilhantes olhinhos verdes. Havia vezes em que os rostinhos pareciam deliciosos cajuzinhos, rostinhos morenos com lindos olhinhos cor de avelã. Ah... Que doces pensamentos... E cada um desses docinhos marejava meus olhos de saudade. Brotavam lágrimas que faziam meu coração transbordar numa ternura que não sei exprimir. Nem Shakespeare saberia. Nem Saint-Exupéry em seu “Pequeno Príncipe”.
Era para ser uma crônica séria. Com o ar responsável de um Beethoven a reger a Nona Sinfonia. Era para ser, mas não foi.
Logo me desfiz do ar sério que levei para a mesa. Passei a mão na xícara e gritei: “quero um chocolate quente”; enquanto ria um riso alto que não sei rir mais. Olhei aquela folha branca, imaculadamente branca, e comecei a desenhar coqueiros (meu desenho preferido ou a única coisa que sei desenhar) em todo o seu corpo. Enquanto desenhava, pude me lembrar de sorrisos que alegravam meu coração, de abraços que abraçavam minha alma e de beijos carinhosos como os dos colibris em suas flores.
E por todo lado eu via elefantes cor-de-rosa (ou cores de rosas? pergunto-me, escapando à severidade da gramática), girafinhas azuis com pescoços tão grandes que podiam morder a lua, golfinhos saltando histéricos de alegria, e pensei em crianças... Lindas e doces crianças... Pensei no quanto as amo e no quanto sou, por elas, amada. Perguntei-me, então, (fazendo de novo o ar sério) como é que em corações tão pequeninos pode caber um amor tão grande?
Dei-me conta, nessa conta de quem ama mais, de que estou sendo chata, adulta, gente grande. Nesse momento, tiro os óculos, os sapatos, os brinquedos das caixas e todos olham espantados enquanto se perguntam o que “deu em mim”...
Posso dizer que li num livro que não devo querer crescer, pois os adultos não entendem nada. Posso dizer que no escritório tive um instante louco e mergulhei de cabeça na infância do jardim. Posso dizer, por fim, que esses lampejos todos – da criança em mim – devo a cinco estrelas, a cinco sonhos, a cinco canções que canto no peito meu.
Se você acertar, ganha uma sobremesa.
Pensei em rimar seus nomes, mas não achei nada mais enfadonho. Pensei em dizer que as amo, mas crianças sabem sem precisar ouvir. Pensei em... ah!... chega de pensar! Quero ser criança e amar e amar e amar...
(Dáuvanny Costa, revisto e corrigido)

Um comentário:

Lou H. Mello disse...

Humm! Muito bom! Parece coisa da alma. Gostei. Manda mais. Também gosto de ser criança, sempre.