quarta-feira, 28 de março de 2012

Meu amor não se cansa de esperar [...]

"Em mim eu não vivo já,
e sem Deus viver não posso;
pois sem ele e sem mim quedo,
este viver que será?
Mil mortes se me fará,
pois minha mesma vida espero,
Morrendo porque não morro.

Esta vida que aqui vivo
é privação de viver;
e, assim, é contínuo morrer
até que viva contigo.
Ouve, meu Deus, o que digo,
que esta vida não a quero,
Pois morro porque não morro.

Ausente estando eu de ti,
que vida poderei ter
senão morte padecer,
a maior que jamais vi?
Pena e dó tenho de mim,
pois se assim eu persevero,
Morrerei porque não morro.

O peixe que da água sai
nenhum alívio carece
que na morte que padece,
afinal a morte lhe vale.
Que morte haverá que se iguale
ao meu viver lastimoso,
Pois se mais vivo, mais morro?

Quando penso aliviar-me
vendo-te no Sacramento,
faz-se em mim mais sentimento
de não poder-te gozar;
tudo é para mais penar,
por não ver-te como quero,
E morro porque não morro.

Se me deleito, Senhor,
com a esperança de ver-te,
vendo que posso perder-te
redobra-se em mim a dor;
vivendo em tanto temor
e esperando como espero,
Morro sim, porque não morro.

Livra-me já desta morte,
meu Deus, entrega-me a vida;
não ma tenhas impedida
por este laço tão forte;
olha que peno por ver-te,
o meu mal é tão inteiro
Que morro, porque não morro.

Chorarei já minha morte,
lamentarei minha vida,
enquanto presa e retida
por meus pecados está.
Oh, meu Deus! Quando será
que eu possa dizer deveras:
Vivo já porque não morro?"
(João da Cruz in O amor não cansa nem se cansa)

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